O efeito que a mídia pode ter em nós é extremamente variado. Positivo, negativo, pode até nos fazer descobrir coisas sobre nós mesmos que anteriormente não tínhamos ideia. Como alguém que quer trabalhar com direção e escrita, é necessário que eu saiba disso. Ainda mais, a maioria dos meus programas/filmes favoritos são aqueles que apresentam um protagonista não convencional ou não tão heróico, o "anti-herói" — Então não é como se eu fosse contra representações mais neutras de “éticas” na mídia . Estes personagens são criados, em maior parte, para serem apreciados pelo público, mas não idolatrados. O que acontece quando as intenções desses personagens são mal interpretadas pela audiência? O que acontece quando esse “anti-herói” é considerado um herói?


Meu questionamento sobre este assunto aumentou após o lançamento de “The Joker” ou “O Coringa” em 2019, que envolve uma recriação do vilão da DC, e sua decadência ao mal. Este filme logo se tornou um dos filmes mais populares de 2019, arrecadando enormes quantidades de dinheiro de bilheteria assim como inúmeras indicações ao Oscar. 

A resposta da audiência a “Coringa”, porém, não foi a pretendida. Vendo que a experiência do personagem com rejeição e fracasso, infelizmente, ressoou com homens auto piedosos e emocionalmente instáveis, o vilão assassino se tornou uma espécie de ídolo para alguns telespectadores. O Coringa é um personagem que não deve ser idolatrado, e era na verdade um estudo de personagem, explica tanto o ator Joaquin Phoenix quanto Todd Phillips, diretor do filme.


O mesmo fenômeno pode ser observado em diversos filmes e séries com seus personagens principais seguindo padrões bem claros: Homens mais velhos, brancos e heteros (um molde perfeito para garotos adolescentes que já cresceram a ouvir que são melhores do que outros apenas pelas suas características físicas), que consistentemente agem de um jeito dominante, deixando de lado questões morais para conseguirem o que querem. Joker, (feito para criticar como movimentos sociais podem escalar facilmente), Fight Club, Wolf of Wall Street, (feitos para criticar masculinidade frágil em alguns aspectos), Rick and Morty (crítica a pessoas que se denominam “lógicos” e “frios” mas são apenas rudes e acabam sozinhos), Breaking Bad (em vários momentos uma crítica de o que deveria ser a família nuclear americana e a parte do homem nesta fantasia)… a lista só continua. 

Cinema originalmente feito para fazer satira com aqueles que pensavam que poderiam fazer o que quisessem quando quisessem e mostrar as consequências de se considerar o "chefão"... de repente idolatrados como a imagem ideal de quem seus telespectadores queriam ser. 


Em uma sociedade que é tolerante até demais com criminosos e terroristas pertencentes a certos grupos sociais, a noção de que, quando colocado sob pressão social suficiente, um homem adulto tem o direito de desmoronar completamente e machucar ou até matar aqueles em sua volta é uma noção que pode ser extremamente perigosa.


Uma peça de ficção que pareceu estar ciente do que estava acontecendo, no entanto, era a série original da Netflix Bojack Horseman lançada em 2014, contando a história de um egoísta ator de Hollywood e suas dificuldades em navegar sua vida enquanto machuca a todos com quem interage. 

Chegando na temporada cinco de “Bojack”, estreada em 2018, os escritores da série não estavam cegos as reações que muitos de seus fãs (de diversos gêneros, raças e grupos sociais, mas na maioria garotos adolescentes e homens aproximando a meia idade) tiveram em relação às ações de Bojack até agora. O clássico: “Ele faz coisas indecentes e continua se safando, eu acho que posso fazer estas coisas também." 

Os escritores então decidiram lidar com isso de uma forma que eu considero criativa: Fizeram outra personagem explicar o conceito para a personagem titular Bojack, mas, este sendo um ator, usando o personagem que está atuando como exemplo.

Após Bojack explicar seus sentimentos de conforto em relação ao personagem que está fazendo na série fictícia, e como ele não se sente tão mal pelas suas próprias ações na vida real quando se compara a ele, sua ex-amiga e escritora da série em que Bojack fez o personagem, em troca explica:


 “Você realmente quis dizer aquilo? Como [o personagem fictício atuado por Bojack] te fez sentir bem consigo mesmo? Porque essa não é a intenção do personagem. Para os caras assistirem e “se sentirem bem”. Eu não quero que você, nem mais ninguém, justifique comportamentos ruins por causa da série.” 


Isso foi um jeito inovador de se dirigir à audiência: Uma personagem representando uma escritora se dirigindo a alguém que fez uma má interpretação de seu texto. Alternativamente, os escritores reais, falando conosco. 


É difícil ter uma mídia focada em personagens ambíguos e enredos que não os condenam explicitamente, porque permite que ainda haja discussões sobre se algo é horrível ou não. É importante mencionar a acessibilidade da mídia, porque hoje em dia quase qualquer pessoa pode acessar a internet e encontrar coisas relacionadas, e isso pode ser um problema para crianças ou adolescentes impressionáveis.


Então, seria errado retratar personagens “neutros”? Anti-heróis, moralmente cinzas, vilões redimidos? Os escritores não conseguem saber exatamente qual será a reação da população aos trabalhos que liberam ao mundo, e ficar tentando reparar qualquer dano após já ter acontecido parece exaustivo. Além do mais, nem todos conseguimos pensar em algo tão direto quanto Bojack Horseman. 

Satira não é mais sagrada, e qualquer tipo de crítica que podemos fazer a respeito tem que ser colocada em uma bandeja para os pobres analfabetos sem compreensão textual entender melhor? 


Eu acho que não. Na minha opinião, o problema nunca foi retratar morais neutros e anti-heróis, mas as implicações que o script pode trazer com isso. Estes módulos de entretenimento e comunicação podem se tornar módulos de alienação: mostrar uma imagem "heróica" e cômica para a audiência, mas sem nem saber o que está sendo criticado para começo de conversa.


Felizmente ou Infelizmente, com a acessibilidade da mídia e a progressão constante da tecnologia, programas e filmes como esses são acessíveis para quase qualquer pessoa. Embora sejam indicados para um público maduro e responsável, eles podem facilmente cair nas mãos erradas. Mesmo com peças bem feitas e introspectivas como as que mencionei, ninguém pode controlar como podem ser interpretadas.


(Imagem: Judeus Samsom, Unsplash)



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