Ensaio sobre autoconhecimento, o uso da arte e envelhecimento -While my guitar gently weeps, por Rodrigo Costa
“I look at you all see the love there that's sleeping”
-George Harrison
Os Beatles são possivelmente a banda mais influente de todos os tempos, a banda que lançou seu primeiro disco em 1963 e terminou em 1970 tem a prestigiada dupla de composição Lennon-Mccartney, porém o guitarrista da banda George Harrison parece ser esquecido algumas vezes, mesmo com músicas como “Here comes the sun” e sua obra prima “While my guitar gently weeps”, lançada em 1968. Nesta música Harrison fala sobre a solidão humana, auto realização dos problemas, o envelhecimento e uso da arte como ferramenta de expressão. Harrison escreveu-a numa das fases em que mas aprendeu com o Hinduísmo e possivelmente mais sofreu ao saber do mal estado de saúde de sua mãe.
Friedrich Nietzsche disse “A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros” , o que o filósofo quis dizer, é que aquele que consome e ou produz arte, tem um peso a menos que os indivíduos que não o fazem, ao colocar seus sentimentos num quadro ou em uma música, ou conhecendo sentimentos novos vendo uma peça de teatro ou qualquer outra arte o indivíduo se torna uma pessoa mas facil de conviver com, e mais fácil de conviver consigo mesmo. Em “While my guitar gently weeps” Harrison narra um sentimento de dor, um eu lírico fora de seu tempo, sua zona de conforto, e do que ele conhece, com a única coisa “de confiança” a qual ele possa se apoiar seja seu Violão/Guitarra, em outras palavras, o eu lírico só tem a arte como sua área segura.
While My Guitar Gently Weeps
“I look at you all
See the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
I look at the floor
And I see it needs sweeping
Still my guitar gently weeps
I don't know why nobody told you
How to unfold your love
I don't know how someone controlled you
They bought and sold you
I look at the world
And I notice it's turning
While my guitar gently weeps
With every mistake
We must surely be learning
Still my guitar gently weeps
I don't know how you were diverted
You were perverted too
I don't know how you were inverted
No one alerted you
I look from the wings
at the play you are staging
While my guitar gently weeps
As I'm sitting here
doing nothing but aging
Still my guitar gently weeps
I look at you all
See the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
I look at you all
Still my guitar gently weeps”
***
Enquanto minha guitarra gentilmente chora
“Eu olho vocês todos
Vejo o amor que aí dorme
Enquanto minha guitarra suavemente chora
Eu olho para o chão
E vejo que precisa ser limpo
Ainda minha guitarra suavemente chora
Eu não sei porque ninguém te disse
como desdobrar seu amor
Eu não sei como alguém te controlou
eles compraram e venderam você
Eu olho o mundo
E eu noto que ele está girando
Enquanto minha guitarra suavemente chora
Com todo erro
Nós certamente precisamos aprender
Ainda minha guitarra suavemente chora
Eu não sei como você foi divertido
você foi pervertida também
Eu não seu como você foi invertido
ninguém te alertou
Eu olho das asas
a peça que você está encenado
Enquanto minha guitarra suavemente chora
Como eu estou sentando
fazendo nada além de envelhecer
Ainda minha guitarra suavemente chora
Eu olho vocês todos
Vejo o amor que aí dorme
Enquanto minha guitarra suavemente chora
Eu olho vocês todos
Ainda minha guitarra suavemente chora”
A obra de George Harrison engloba diversos temas, entre eles as brigas internas que aconteciam na banda inglesa. Porém aqueles que analisaremos nesse texto serão o uso da arte, o autoconhecimento e a autocrítica, e por último a solidão do envelhecimento.
Começando por sem dúvida a parte mais importante da música, é o uso da arte, no próprio título e refrão da música, quando Harrison afirma “While my guitar gently weeps” ou “Enquanto minha guitarra/violão gentilmente chora” o músico adiciona ao instrumento sentimentos e personalidade, de algo muito melancólico. Essa descrição fica ainda mais forte quando o eu lírico fala “I don't know how someone controlled you” ou “Eu não sei como alguém te controlou” George percebe na guitarra, que nesse caso pode significar a música ou a arte em geral, uma força tremenda e minimiza o ser humano que toca o instrumento, nesse caso podendo ser ele mesmo, comparado a arte. O guitarrista dos Beatles escreveu a música após retornar da Índia e estar muito conectado com o Hinduísmo. Ele escreveu a música pois ao acreditar que tudo havia um propósito, então ele abriu um livro em uma página e decidiu que iria compor uma canção com as primeiras palavras desta página, no caso “Gently weeps”. Porém mesmo com o autor se baseando quase completamente em filosofias orientais, é possível e muito interessante marcar paralelos com filósofos como Sartre e Nietzsche. Nietzsche escreve em “O Nascimento da tragédia”, onde ele analisa obras trágicas gregas que a arte deve ser um meio extremamente poderoso em que a filosofia deve “evoluir” para que o humano encontre sua salvação na arte. É fácil entender que “While my guitar gently weeps” é uma tragédia e ela dá, a arte em geral, a mesma força e o mesmo respeito que o filósofo alemão propõe. Sendo assim mesmo sabendo que Harrison escreveu a música com ideais Hindus em sua mente, a sua obra se conectou com a ideia que Nietzsche dá à arte, mas especificamente sobre a ideia de dionisíaco.
A próxima ideia filosófica que pode ser atribuída a obra do Álbum em Branco dos Beatles é o autoconhecimento, mas especificamente, sobre o envelhecimento e as coisas erradas da vivência na terra. Os dois primeiros versos da música; “I look at you all See the love there that's sleeping” ou em português “Eu olho vocês todos Vejo o amor que aí dorme” Harrison faz uma crítica a todo raça humana, pelo fato de que amar está se tornando uma coisa escassa e difícil com o tempo e propõe a todos tentar amar mais, tentar acordar o amor que, por desuso caiu no sono. O próximo verso “I look at the floor And I see it needs sweeping” em português “Eu olho para o chão E vejo que precisa ser limpo” é ainda mais interessante. O eu lírico não apenas entende seus erros, mas também percebe que todo o ambiente em que vive, também é sujo, e ele precisará agir para limpá-lo, para o tornar melhor e esse sentimento se prova verdade, quando 2 versos depois George escreve “Com todo erro Nós certamente precisamos aprender” entendo sua ignorância e percebendo que precisará se tornar uma pessoa melhor para conseguir limpar seu ambiente e acordar seu amor. O verso antes desse “Eu olho o mundo E eu noto que ele está girando” adiciona a “melhoria” da pessoa de Harrison um senso de urgência, pois enquanto ele foca em autoconhecimento e melhorar como ser, a vida continua rolando.
Todas essas frases podem ser ligadas diretamente ao projeto de ser de Sartre. Ao tentar se tornar uma pessoa melhor o eu lírico da música criado por Harrison cria um Projeto de Ser. Onde ele tem que ser uma pessoa que acorde seu amor, mas principalmente que ele consiga fazer toda humanidade ir nessa jornada com ele. Se o eu lírico for uma representação de George Harrison, o que é completamente possível, Ele conseguiu, pois Harrison em sua vida e em sua morte, com suas canções conseguiu o feito de levar a humanidade com ele na busca de acordar o amor.
O último pensamento filosófico que podemos adicionar a obra de Harrison é ou o Estoicismo, ou o Niilismo. No trecho “As I'm sitting here doing nothing but aging” em português “Como eu estou sentado fazendo nada além de envelhecer” o eu lírico apenas espera sua morte e reconhece que não pode fazer nada para impedi-la, se Harrison tinha como objetivo focar no vazio da morte nesse trecho, então o Niilismo é o correto, porém caso ele queria focar no fato de não poder fazer nada e então apenas se preocupar com o que ele pode controlar, o pensamento correto é o Estoicismo.
Com esse ensaio então, percebemos na obra de Harrison um peso filosófico muito forte, com ideias principalmente niilistas, quando o assunto é arte. Com uma forte influência do existencialismo de Sartre, quando o eu lírico cria um “Projeto de ser” e possivelmente Estoicismo, quando o assunto é a morte e o envelhecimento. Mesmo sabendo que Harrison teve principalmente influências Hindus para escrever essa obra, as ligações filosóficas não se tornam incorretas, e acredito que adicionar a uma obra tal peso filosófico é extremamente interessante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
PEREIRA, Camilo. “Nietzsche e a fisiologia da arte” 10 de Jun de 2015. Dísponivel em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-82422015000200177&lng=pt&tlng=pt Acesso em: 05/07/2020
DIAS, Rosa. “Arte e vida no pensamento de Nietzsche” Dísponivel em: https://www.scielo.br/pdf/cniet/v36n1/2316-8242-cniet-36-01-00227.pdf Acesso em 05/07/2020.
VIANA, Iury. “Existencialismo - Jean-Paul Sartre” Jan de 2009. Disponível em: https://psicologado.com.br/abordagens/humanismo/existencialismo-jean-paul-sartre Acesso em 05/07/2020
Estoicismo. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo Acesso em: 06/07/2020
While My Guitar Gently Weeps (tradução). Dísponivel em: https://www.vagalume.com.br/the-beatles/while-my-guitar-gently-weeps-traducao.html Acesso em: 06/07/2020
While my guitar gently weeps. Dísponivel em https://en.wikipedia.org/wiki/While_My_Guitar_Gently_Weeps Acesso em: 06/07/2020.
(Foto da obra de Banksy, por Karim Manjra)
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